Poemas de Camões

A genialidade de Luís de Camões assenta na sua capacidade de utilizar a palavra poética para tratar todas as temáticas que atormentam o ser humano, como o amor, a morte, o desconcerto do mundo,entre outros. Em redondilha ou em verso decassilábico, este poeta consegue ser intemporal e consegue levar os outros homens a ampliar o seu conhecimento de si e do outro. Os poemas que se seguem são exemplos dessa genialidade.


O desconcerto do mundo

 

Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e, para mais m´espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau, mas fui castigado:
Assi que, só para mim
anda o mundo concertado.

 Luís Vaz de Camões

 

Sete anos de pastor Jacob servia  


Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prémio pretendia.


Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,

Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.


Vendo o triste pastor que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: " Mais serviria, se não fora
Par tão longo amor tão curta a vida".


Luís Vaz de Camões

Aquela fera humana que enriquece


Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal, que falta quando cresce;

Se nela o céu mostrou (como parece)
Quando mostrar ao mundo pretendia,
Porque da minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?

Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, convencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história.

Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória 
De ver que tendes tanta de matar-me.



Luís Vaz de Camões
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades myspace backgrounds images

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.
Luís Vaz de Camões
  
Quem diz que Amor é falso ou enganoso
 Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
sem falta lhe terá bem merecido
que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
seja cego e apaixonado tido,
e aos homens, e inda aos deuses, odioso.

Se males faz Amor, em mim se vêm;
em mim mostrando todo o seu rigor,
ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de Amor;
todos os seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria.


Luís Vaz de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver... 

 

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer


é um não querer mais que bem querer;
é um solitário andar entre gente;
é um nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder;


é querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence o vencedor;
é ter com quem nos mata a lealdade.


Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?



Luís Vaz de Camões, in " Camões Sonetos"  de José Hermano Saraiva
e
 Maria de  Lourdes


Os Lusiadas ( I Canto ) 

 

1  As armas e os barões assinalados
    Que, da Ocidental praia Lusitana,
    Por mares nunca dantes navegados
    Passaram ainda além da Taprobana,
    Em perigos e guerras esforçados
    Mais do que prometia a força humana,
    E entre gente remota edificaram
    Novo Reino, que tanto sublimaram;


2  E também as memórias gloriosas
    Daqueles Reis que foram dilatando
    A Fé, o Império, e as terras viciosas
    De África e de Ásia andaram devastando,
    E aqueles que por obras valerosas
    Se vão da lei da Morte libertando:
    Cantando espalharei por toda a parte,
    Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

3  Cessem do sábio grego e do troiano
    As navegações grandes que fizeram;
    Cale-se de Alexandro e de Trajano
    A fama das vitórias que tiveram;
    Que eu canto o peito ilustre lusitano,
    A quem Netuno e Marte obedeceram.
    Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
    Que outro valor mais alto se alevanta.
     ...
Luís Vaz de Camões


A Morte, que da vida o nó desata 

 

A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contra ele espada fera,
e coo Tempo, que tudo desbarata.

Duas contrárias, que uma a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
uma é a Razão contra a Fortuna austera,
outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.


Mas mostre a sua imperial potência
a Morte, em apartar dum corpo a alma.
Duas num corpo o Amor ajunte e una;


por que assim leve triunfante a palma
Amor da Morte, apesar da Ausência,
do Tempo, da Razão e da Fortuna.
Luiz Vaz de Camões